- Ovos mexidos e café com leite. - Pediu Charlie enquanto fechava o cardápio.
À sua frente estava Edgar Boa Morte, jovem intelectual de traços finos. Acompanhava-o sempre alguns livros do Dostóievski, Schopenhauer entre outros. Desta vez estava lendo "Quando Nietzsche Chorou" de Irvin D Yalom. Percebeu, pois havia um marcador saliente no livro, era os de uso costumeiro.
Edgar permaneceu ali assentado com ar sereno, não se viam rugas em sua testa. Seus óculos lhe davam um ar mais sério, juntamente com sua blusa de botão com as mangas dobradas até os cotovelos. Tinha elegância ao cruzar as pernas e ajeitar os óculos que escorregavam por sua pele oleosa.
Pedira somente um suco de laranja.
Charlie, um pouco inquieto, perguntara a Edgar - sempre intropesctivo - o que lhe atormentava desta vez. Ultimamente vinha transparecendo extrema tristeza.
- Então, meu amigo. O que aflige sua alma?
Edgar deu um último gole antes de iniciar a descrição. Pigarreou duas vezes e iniciou como se falasse consigo mesmo.
- Peço que ao saíres não sejas vulgar nem mesmo insignificante. Tanto me calejas o peito que não consigo deter-te. De semelhante modo não me contenho, expresso fielmente cada cor desse tormento lúgrube.
Boa Morte descruzou as pernas e olhou firme nos olhos de Charlie.
- Vens tu, tristeza. Tens esse nome abominável, mas quando me visitas traz consigo reflexões da vida, dos objetivos, sonhos e amores. Faz-me erguer olhos fugazes ao céu, e com a testa franzida, imaginar desenhos nas nuvens. Vezes brancas, vezes laranja-avermelhado-cinza. Vezes só, vezes em multidão. Você me alegra, não deixas dissabores, antes pés no chão e sementes da realidade.
Daquelas caixas empoeirada do restaurante saia um som agudo "A Message" da banda Coldplay.
- O desdém foi ali e já volta, nunca parte definitivamente. - continuava com eloquencia-. Esmurra-me os lábios o desdém do diálogo e da convivência. Falta-me sempre a vontade falar, contar fatos e contos. Talvez isso seja consequencia do turbilhão de pensamentos que tanto movem-se e esquecem até mesmo de escaparem. Como é grande a pressão aqui dentro.
Pôs uma das mãos brancas na cabeça.
- Desdém, desdenhar, desdenhou-se. As outras faces, os outros sentimentos, os outros mundos me embrulham o estômago. Seres repugnaveis, juntos com suas cosmovisões e seus egos inflamáveis. Hei de dizer e digo que ainda há volúpia na estadia desse esmagadores sentimentos. São bem-vindos quando batem em hora oportuna, sempre deixam em embrulhos algo de proveitoso. Poucos ousam abri-los.
Charlie viu Edgar esvair-se em sua frente. Quando abriu os olhos comtemplava a si mesmo no espelho do seu quarto.
Os outros também era ele próprio.
sábado, 1 de março de 2008
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2 xícaras:
Caraca, que surpresa! Eis que se revela um poeta (e dos bons!) com alguns traços meio barrocos, mesclados com um tom romântico, digamos assim... Meu, isso foi INÉDITO! *Sinal de reverência*
E mais: MUITO, mas MUITO interessante a forma como você diferencia as duas linguagens. Quando fala o Boa Morte, é algo mais pomposo, usa o "tu", um palavreado rebuscado, que soava poético, como se fosse um eu-lírico mesmo, ainda que não houvesse versos. Soaram líricas as palavras do Boa Morte e isso remetia ao campo do poético, do subjetivo, do poeta dos séculos passados que falava da própria subjetividade cheio das pompas e virtuosismo.
Isso você fez perfeitamente bem e enriqueceu MUITO seu texto. Você foi FODA e demonstra ter um senso estético do caráleo!
Sugiro que se aventure nos versos. Botei fé nisso aqui.
Bjo, maloy!
Ziriguidum
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