segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Maxixe e Giló
Boa mesma é aquela sensação dos pés no chão. Pés em calçadas de cimento. Nos paralelepípedos em brasa que formam as ruas do interior de algum estado. Enquanto vou daqui a lugar algum. Melhor dizendo, vou até à quintanda da esquina comprar ovos para fazer o bolo. É bom sentir as pequenas pedras incomodarem os pés acostumados a tênis, sandálias e sapatos.
E lá estão as donas de casa sentadas à frente da porta olhando quem passa. Conversas longas. Falam de alguns, parentes de parentes. Como sempre. "Cumpadre do tio do meu primo", "vizinho da falecida Mercedes, irmã do Chico do Açougue". Com lenços nas cabeças e olhos sofridos esperam seus maridos chegarem da pescaria, da feira, da roça. Algumas arriscam a novela das oito. Algumas crianças jogam gude na pracinha, brincam de pique-esconde e pircula.
A maré desponta a encher e venta fresco no quintal da casa. Ali tem um pé de acerola, outro de tamarindo. Algumas mangueiras por perto. Há fartura de frutos. Dá até pra tirar na mão. Há o risco das formigas. Mas quem se importa? Olha lá, os gatos se lambendo perto da lavanderia e as galinhas ciscando enquanto o galo observa quieto sobre um galho da laranjeira. Está anoitecendo e a cigarra canta alto. Várias delas. Em minha infancia eu subi aquelas pequenas montanhas. Joguei mangas apodrecidas para o jumento que meu avô criava. Tomei corrida de uma daquelas vacas.
O banho no cais junto com alguns carregadores de feira de dia de sábado. Saltos de ponta a cabeça na maré que inunda o maguezal. A disputa pra chegar na lancha ancorada a cem metros do cais.
O almoço com legumes frescos. O pirão. A farinha no feijão. A pimenta na muqueca. O copo com água. O suco de limão. A mesa com oito lugares, todos ocupados. Os risos. As bocas cheias e falantes. Os dedos no prato. O lamber dos beiços. A oração.
Boa mesmo é a sensação de liberdade. Sem corre-corre. Com simplicidade. Sem etiquetas. Sem ternos. Daqui da rede pendurada na varanda.
Com férias.
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4 xícaras:
Doce e encantador. Muitos conseguem ver o passado de seus pais e avós e alguns do interior percebem a sua vida. Eu nao tive uma vida dessas. Sempre na cidade grande, buzinas, som de músicas nas disputas das praças e do posto de gasolina, ativismo, pessoas sufocadas pelo ter.
Senti o prazer aqui de quem viveu, vive e viverá essa vida quieta.
Conseguiu relatar e nos trazer um pouco dessa emoção.
Engraçado, maloy, que ao te ler me veio à mente uma mistura de paisagens do interior de Minas com a idéia que eu tenho das poucas coisas que me lembro que você falou sobre Maragojipe. E, sem dúvidas, o quê de infância, de vento batendo no rosto, da mãe (ou do pai) mandando voltar pra casa porque já está tarde, de almoçar na casa da avó no dia de domingo, de fazer bagunça com os primos.
Cara, é um tempo valioso que é bom demais de (re)viver. Só fiquei curioso com toda essa coisa de cais, manguezal. Isso eu não vivenciei, apesar de ser meio sem noção e já ter atravessado açudes, nada em represas e tal. Eu não tinha medo de água, acredita, man? Pois é.
Seguinte: bom demais teu texto. Tá cada vez melhor, você. Eu meio que me sinto enferrujado; mas vamos ver se dia desses sai algum leite dessa pedra. Com Toddy, claro. Abraços,
Ziggy
delícia te ler!
palavra flui e escorre, e dá vontade de comê-las.
Tem tanto tempo que eu não tenho essa sensação... Mas, mesmo na lembrança, ela é realmente muito boa!
Beijos.
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