Se pareço nostálgica é por pura força do hábito, tenho um defeito de fábrica, nunca aprendi a escrever feliz, apesar de não acreditar num mundo sem redenção. E, sempre quando falo em morte, quero dizer renascimento. Fui batizada de maneira muito apropriada, mesmo que este meu nome tenha sido uma escolha aleatória. Sou dona de invernos e verões muito próprios. Eu sei que não se pode brincar com a vida, pois em plena luz do dia se morre; disse Lispector. Mas eu brinco com a minha vida porque sei o limite dela, respeito minhas próprias regras. Já que não suporto o imprevisível, torno-me súdita e rainha da minha própria tirania. É díficil me reconhecer. Às vezes, eu também me perco nessa minha existência. Nesta hora, é justamente de clareza que preciso, já que morro de medo de não dizer as coisas do modo que deveria e acabar sendo mal compreendida. Revejo o ponto de partida da minha história. Quando menina eu nunca tentei definir o que era a felicidade.
Será que existe o trem de volta?
De todo modo, eu esperarei no portão da minha casa, se a hora chegar.
Acordei e te vi ao meu lado, ainda dormindo e rindo. Meu peito se encheu de uma felicidade estonteante, pensei até não haver lugar para tanta! Ainda te observando dormir, lembrei de quando tudo começou: uma foto, conversas on line, incerteza. Lembrei do primeiro encontro, das tolices ditas, das gargalhadas e de como eu me encantava a cada dia. Inútil tentar fugir, era o que eu pensava. E agora estou aqui te vendo ao meu lado, em seu sono infantil.
Eu nem sequer acordei. Eu te vi em sonhos. Você vinha em passos firmes e parecia cumprir uma promessa de tempos; pôr uma porta abaixo. Veio com algo nas mãos, era uma semente. Você se pôs em mim e tratou de regar. Eu não percebi e você já estava frutífera, povoando todo que me diz respeito.
Em pouco tempo eu descobri que eu te adoro. Adoro as coisas que você fala, que você faz, que você pensa. Adoro em todos os sentidos da palavra. No começo foi difícil entender de onde vinha tanto desejo, tanto carinho. Ainda hoje não tenho essa resposta, mas já não tento entender e apenas sinto. E assim vivo te adorando.
Em uma nota eu percebi que te canto, que te toco. Invoco-te. Em uma cor, eu te pinto e você se faz aquarela. Eu te decoro do início ao fim, de pronto ao avesso. Você se faz viva e eu te reconheço no horizonte; teu riso que não se põe, teus cabelos de brilhos eternos e teus olhos de mar. Responda-me, se você pode, minha pequena, de onde vez tanto frescor? De onde vem tanto sabor? De onde veio você?
E não canso de me encantar por tudo o que é você. E não me canso de adorar tudo o que é você. Seu cheirinho matinal de algo que não sei identificar, seus olhos inocentes que me fitam e paralisam, seu sorriso largo e calmo. Até mesmo quando você ri das minhas manias, eu te adoro.
Meu peito e essas manias aprendidas não sei em qual canto e não sei como. É um batucar de cá, um sambar de lá tal nome que não ouso falar pelo poder que tem. É com essas manias que ele me deixa tonto sem saber onde pisar. É desse jeito que ele me convence de coisas que não sei nomear, e não ousaria dizer pelo significado que tem. Mas não nego que reconheço seu nome, quando em estrofe curta eu ouço ele sussurrar. Carol. Seu nome em brisa, em fogo, em tempestade.
Não faço versos tão bonitos, mas te adoro. E te adorando eu respiro tua alma, teu riso, tuas mãos e pés, teus olhos e cabelo. É algo que só cresce. Algo que me enternece, me contagia e me faz flutuar, saltitando. E eu me faço toda tua, sem restrições. Eu te adoro em mim.
Eu já não sei escrever só o meu nome... Nem só a minha história. Sei escrever-nos, em pontas de pena no pergaminho de tua pele.
"Se nós, nas travessuras das noites eternas Já confudimos tanto as nossas pernas Diz com que pernas eu devo seguir...
...Como, se nos amamos feito dois pagãos Teus seios inda estão em minhas mãos Me explica com que cara eu vou sair"
Chico Buarque - Eu Te Amo
Mas haverei de comer-te com os olhos. Desejando, como ninguém, todas as tuas curvas, todas as tuas manchas, todos os teus sinais. Num compasso de tesão, com nenhum juízo, vou invadir os teus poros, teus ouvidos, tua boca. Em meus olhos famintos estão; teus seios eriçados que perfuram a blusa, teus joelhos cambaleantes que antecedem tuas coxas, teus pés curvados que antecedem o gozo e os lábios entreabertos que sugerem prazer. Um suspiro. Um gemido. Um tapa. Uma palavra torpe. Outra vez.
Abocanharei teus olhos!
Mas haverei, também, de comer-te com os lábios. Alagarei, como ninguém, tua língua, teu queixo, teu colo, tuas virilhas. Na euforia da minha excitação, com nenhum pudor, vou lamber teu pescoço, embaraçar teus cabelos, apertar os teus ombros e encaixar teus quadris em algum canto de mim, com a pressão exata de quem ama a devassidão. Tua pele tem gosto de mar, de lua, de imprevisto. Tem gosto santo-profano. Tem gosto pagão. Tem coisa que não sei dizer.
Saquearei teus lábios!
Morrerei de ansiedade, padecerei sem sono, sucumbirei aos pensamentos libidinosos. Que Deus perdoe a minha alma! Mas, antes, vou te lançar em qualquer esquina diante de uma testemunha sem vida e sorver a tua alma, o teu sexo. Vou assaltar teus membros debaixo de alguma sombra noturna em busca daquele prazer de ontem que nos fez jurar loucuras. Ou ainda te despir meticulosamente em uma garagem, pleiteando espaço com o capô de um carro ou coisa parecida.
Ah, o teu corpo; que se abre e se entrega. O teu corpo que se atreve numa sede desenfreada, insaciável. Ele grita seu dono, ele grita meu nome.
Ah, o meu corpo; sem escudo, sem freios. Meu corpo tão quente feito a habitação dos eternos pecadores. Ele pede tua carne, ele quer você.
Porque somos primeiro sentimento, carne, alma e espírito.
“Recebi uma carta de rompimento. E não soube respondê-la. Era como se ela não me fosse destinada. Ela terminava com as seguintes palavras: “Cuide de você”. Levei essa recomendação ao pé da letra. Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão, para interpretar a carta do ponto de vista profissional. Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la. Entendê-la em meu lugar. Responder por mim. Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper. Uma maneira de cuidar de mim.”
Exposição "Cuide de Você" da artista plástica francesa Sophie Calle. De 22 de setembro à 22 de novembro, no Museu de Arte Moderna da Bahia. http://www.sophiecalle.com.br/